A MEMÓRIA CINQÜENTENÁRIA

 

CARVALHO, Philipe Murillo Santana de [1]

MACÊDO, Janete Ruiz de [2]

 

RESUMO: A cidade de Itabuna ao longo dos anos passou por um processo de crescimento urbano, que pouco a pouco foi modificando as principais vias da zona urbana itabunense. Em virtude de todos esses acontecimentos, a Avenida do Cinqüentenário é o principal objeto do projeto de pesquisa Memória e Lugar: fragmentos do passado – Rua da Lama/Av. do Cinqüentenário, 1908-1970. O Objetivo desse trabalho é compreender através da relação memória, cidade e história as transformações e os eventos ocorridos na cidade de Itabuna, e mais especificamente a Avenida do Cinqüentenário.     

 

PALAVRAS-CHAVES: Memória, Cidade, História e Avenida do Cinqüentenário.

 

Hoje existe um campo muito amplo para a prática de pesquisa em História Regional que poderia ser tratado no contexto da microrregião cacaueira, como ressalta Neves.

 A caracterização do espaço recolhido para estudo, recomendou José Mattoso, não deve se limitar apenas à sua descrição (...) Seria fundamental analisá-lo para compreender sua função histórica, devendo-se acentuar os significados de (...) processo de ocupação econômica do território, pecuária, agricultura, efeitos da ação do homem sobre a natureza, condições de vida humana, (...) migrações, circuitos comerciais. (2002, p.87)

 

Dentre as tantas áreas citadas acima a ser abordada por um tema de história regional, pode-se incluir nessa listagem a “memória” como um campo de pesquisa que teria espaço para ser trabalhado, especialmente se tratando do uso de fontes orais e do patrimônio histórico.

O campo da memória busca trabalhar com informações que são trazidas à tona em conversas com pessoas idosas, que relatam, na maioria das vezes de modo emocionado, o passado do qual fizeram parte. Por meio da memória, é possível também escutar a versão da história contada por homens e mulheres humildes, pobres, que apenas observaram as transformações ocorridas em seu cotidiano. Sobre essa possibilidade, Michael Pollak afirma que

 

“Ao privilegiar a análise dos excluídos, dos marginalizados e das minorias, a história oral ressaltou a importância de memórias subterrâneas, que como parte integrante das culturas minoritárias e dominadas, se opõem à ‘memória oficial’, no caso da memória coletiva.” (1989, p.4)

 

 

No entanto, quando se trata de trabalhar com memória, o historiador não pode se limitar apenas às fontes orais, mas também explorar uma variedade de documentos como jornais, relatos escritos (diários, cartas, etc.) e fotos. [3]

 

A memória também se apresenta como uma das ferramentas culturais mais relevantes para o processo de formação de um povo, pois através dela é possível reunir um grupo social em torno de uma identidade cultural. Dessa forma, ganha corpo a construção da memória coletiva, que tem por função popularizar um passado consagrado tanto pelas classes dominantes, como pelas classes dominadas. É óbvio que a primeira classe exerce uma influência mais forte do que a segunda, não obstante, algumas figuras da cena política emprestam seus nomes a avenidas, ruas, praças, pontes e bairros, no intuito de perpetuar a sua imagem na memória do povo. Exemplos não faltam, especialmente se tratando do estado da Bahia. Quem na sua cidade não tem um local com nomes de políticos? Avenidas Antônio Carlos Magalhães, ruas Luiz Eduardo Magalhães, pontes Paulo Souto, entre outros, são uma constantes nas cidades baianas.

 

“A memória é, sobretudo, política, se se entende por política um jogo de forças que transformam a realidade; com efeito, a memória é mais um quadro do que um conteúdo; é um significado sempre aberto, um conjunto de estratégias, uma presença que vale menos por aquilo que é do que por aquilo que dela se faz.” (NORA)

 

É possível entender a memória como uma arma para unir um grupo, uma comunidade, ou uma nação numa identidade, seja ela cultural, política ou econômica.

A abordagem da memória a partir da problemática da cidade, neste caso Itabuna, implica na relação que se estabelece entre a memória e história, observando previamente o urbano como um lugar de lembranças [4] , como frisa Santos. A cidade é considerada, pela geógrafa Ana Fani Carlos, como um espaço que reproduz as relações sociais que os seres humanos desenvolvem ao longo de sua vivência, e por isso mesmo, um espaço de historicidade.

 

“Nesse sentido o espaço é também a história de como os homens, ao produzirem sua existência, fazem-no como espaço de produção, de circulação, da troca, do consumo, enfim, da vida: ‘como obra de uma história contraditória’.” (CARLOS, 1994, p.36)

 

 

Tendo o espaço citadino como uma espécie de escrita que reflete a influência dos homens que a formam [5] , a relação da cidade com a memória fornece o suporte necessário para se compreender parcialmente o passado de um lugar. Nesse estudo, priorizamos um dos lugares mais importantes da cidade de Itabuna, a Avenida do Cinqüentenário, onde a memória está enraizada e vívida, pois se trata de um dos logradouros mais antigos do município, assim como de um local onde a memória continua se construindo.

Hoje, a Avenida do Cinqüentenário é responsável pela maior concentração de lojas e de empresas que movimentam o comércio da cidade, assim como o lugar preferido por quem mora na cidade. A importância desse espaço urbano como lugar central da cidade já é observado por engenheiros que realizaram um projeto de remodelação e saneamento do município em 1926, onde afirmam que o local seria uma avenida de relevo no contexto citadino de Itabuna.

 

“A mais importante das artérias principaes é a grande Avenida Central, traçada sobre as ruas Seabra e 7 de setembro e que se estende em linha recta por dois kilometros, em sentido logitudinal (...) Esta via principal será o eixo da cidade futura(...)” [6]    

 

A condição de espaço de memória designada à Avenida do Cinqüentenário se verifica nos nomes que aquela via recebeu desde a sua abertura até os dias de hoje. Até o ano de 1905, o local era conhecido pela nomenclatura de rua “da Lama”, por apresentar uma infra-estrutura muito precária e que nos dias mais chuvosos, acabavam deixando a via toda enlameada. Entre os anos de 1906-1911, o local recebe uma outra denominação, rua Cel. Henrique Alves, em memória daquele que forneceu alguns recursos para o calçamento parcial da rua. De 1911 a 1959, a rua ganha um outro nome, rua Dr. J. J. Seabra, em memória do então governador do estado da Bahia. Finalmente, a partir de 1960, o local passa por uma série de transformações (que serão abordadas mais a frente) e deixa de ser uma rua para virar uma avenida que simbolizava o desenvolvimento da Itabuna cinqüentenária, tomando por nome Avenida do Cinqüentenário.

 

“É preciso notar que a concepção e lugar de memória abrange desde o traçado a cidade até a sua nomenclatura – compreendendo não apenas as obras arquitetônicas e urbanísticas, mas também os documentos de cultura de um modo geral” (SANTOS, 1997, p.18)

 

 

Através da Avenida do Cinqüentenário, a memória e os resquícios do passado nos permitem entender um pouco do comportamento da comunidade itabunense que viveu no passado. Uma das formas de se observar este comportamento é através dos periódicos que havia na cidade, como o “A Época” e o “O Intransigente”. Nesses documentos, percebe-se que a rua J. J. Seabra era palco das principais manifestações cívicas e culturais, como a procissão do dia do padroeiro, a comemoração do dia da República e da Bandeira, assim como dos carnavais que por ali passavam. Esta passagem do jornal A Época caracteriza a alegria do carnaval em 1925.

 

“O carnaval esse anno, apezar da grande falta que fez o inesquecível ‘Marangá’ com sua original charanga, foi animadíssimo. À tarde, a rua dr. J. J. Seabra ficava repleta de máscara espirituosa e de pessoas que, em vivas batalhas de confetes e lança-perfume, num concurso de alegria, procuravam bater o recorde de enthusiasmo.” [7]  

 

Sobre a comemoração do dia da república, o mesmo jornal publica no ano de 1928 as festividades acontecidas na rua J. J. Seabra.

 

“Às 9 horas, os collégios locaes, formados na Praça Adami e seguidos da banda musical “Euterpe Itabunense” se dirigiram ao Paço Municipal, passeando pelas ruas dr. J. J. Seabra, 23 de Novembro, dr. Miguel Calmom, e Barão do Rio Branco.

No Paço Municipal houve sessão solemne presidida pelo dr. Benjamin de Andrade, intendente, sendo feita a saudação à bandeira Nacional.” [8]

 

 

Além de ser palco de eventos culturais e cívicos, a Avenida do Cinqüentenário era o símbolo da ostentação de luxo que o cacau propiciou à cidade de Itabuna. Isso também pode ser notado tanto nas fontes hemerográficas, aqui já citadas, como através das fontes iconográficas existentes. Um dos fatos interessantes sobre a riqueza produzida pelos “frutos de ouro” diz respeito aos carros que circulavam pela via. Na imagem ao lado, é possível observar a presença de automóveis que transitavam na rua J. J. Seabra e que, devido a sua largura estreita, dificultava a vida dos motoristas menos habilidosos. O número de acidentes era freqüente, de acordo com noticias de época. [9]  

De rua “da Lama” à Avenida do Cinqüentenário, este logradouro foi o centro das relações políticas da vida itabunense, tendo, nesse sentido, presenciado muito dos atritos ocorridos entre os coronéis da região. Tiroteios, brigas de facão, correria, suspeitas fizeram parte do contexto e do cenário da rua J. J. Seabra. No jornal A Época do ano de 1928, a narrativa expõe uma das cenas mais correntes durante o período dos coronéis, a chegada do cel. Henrique Alves ao local, acompanhados de jagunços, espalhando o clima de tensão pela vizinhança.

 

“Saudoso dos velhos tempos, o sr. Henrique Alves, não sabemos a que propósito, entendeu de encher a cidade de jagunços. O sr. Henrique Felix passava, apressado, pela rua Dr. J. J. Seabra. À sua frente, poucos passos adiante, entrou na casa do irmão do sr. Henrique Felix, contígua às nossas oficinas e redacção. O facto foi testemunhado. O preto continuou na referida casa. Os boatos começaram, desde logo, a circular alarmando a população. Dava-se como inevitável o empastellamento d´A Época. Ontem atribuía-se a concentração da jagunçaria a fins diversos. Apontavam-se as vítimas prováveis” [10]

 

Vale ressaltar que este órgão de notícias pertencia ao político Gileno Amado, que havia sido derrotado nas eleições de 1926 para intendente da cidade pelo cel. Henrique Alves. Em virtude disso, Amado sempre criticava o comportamento político e social de Alves em seu jornal, como meio de denegrir a imagem do adversário. 

Sendo centro da cidade de Itabuna, a antiga Cinqüentenário funcionava como uma espécie de termômetro para os habitantes avaliarem a eficiência das administrações municipais. Para evitar as intrigas da oposição política, os prefeitos deviam deixar o local bem limpo e organizado, caso contrário os opositores logo formulavam suas críticas depreciativas nos jornais, como foi o caso da administração de Ubaldino Brandão em 1949.

 

“... o atual prefeito nada fará de grandioso na cidade de Itabuna; ficará beliscando a isca, como já disseram, calçando um pedacinho de rua aqui, outro ali, sem disposição para atacar uma grande obra, como seja: matadouro, ou mercado, ou alinhamento da rua J. J. Seabra, para não falar em outros serviços que estão reclamar Itabuna.” [11]

 

As figuras políticas da cidade achavam na rua J. J: Seabra uma vitrine para se expor à vida pública e também para realizar as promessas de reitificação e de nivelamento dessa via, especialmente durante as décadas de 1940 e 1950. Nesse período, a cidade chegou à posição de importante centro comercial da região cacaueira, casas de roupas, de sapatarias, secos e molhados, artigos rurais e, principalmente, exportadores de cacau compunham o centro urbano de Itabuna. [12]

Diante do crescimento do setor econômico de Itabuna, a relação de comerciantes e de políticos se converge no intuito de modernizar aquela via, a rua J. J. Seabra, pretendo fazer do centro urbano de Itabuna, a reprodução do impulso comercial. [13] Nos governos de Ubaldino Brandão e de Miguel Moreira, os tão requisitados  nivelamento e retificação dessa artéria comercial ao negligenciados. Em um balanço do governo de Moreira, o jornal de oposição ao governo municipal, “A voz de Itabuna”, critica duramente este prefeito por não ter cumprido com a promessa de reformar a rua J. J. Seabra.

 

“Deixemos que fale os fatos. Façamos uma vernissage do que prometeu nas eleições, e não cumpriu até agora o sr. Miguel Moreira:

(...) 8º - Conseguir o nivelamento da rua J. J. Seabra, dando um melhor aspecto à nossa principal “urbs”. Ao contrário disso, está dando permissão para que casas condenadas remodelem o seu estado, o que significa que continuarão no mesmo lugar.” [14]

 

A partir do ano de 1955, o prefeito Francisco Ferreira da Silva dá início às obras que modificaram a Rua Seabra. Contanto, apesar do alargamento e do embelezamento desta via fazer parte dos reclames da maioria dos comerciantes, as documentações hemerográficas apontam para a resistência de alguns comerciantes frente às alterações que deveriam ocorrer na via, com medo dos prejuízos fruto dessas modificações urbanas.

 

“Enquanto isso, sua vizinha, a rua J. J. Seabra encontra-se da mesma maneira. Ninguém quer perder alguns dias em demolir suas casas comerciais para reconstruir novos prédios e ao mesmo tempo alargar a rua que fique de acordo com a 7 de setembro. Talvez tão cedo essas demolições que todo itabunense desejam ver para que tenhamos uma bela avenida, sejam realizadas.” [15]  

 

A citação acima parece retirar o peso dos ombros da prefeitura, entretanto, podem-se notar outros pontos relevantes em relação à resistência de comerciantes frente às modificações dessa rua, tais como a falta de critério na determinação dos imóveis que sofreriam demolição; e a falta de espaço para alojar os comércios que foram retirados da via. O fato é que até o ano de 1958, o prefeito Francisco Ferreira da Silva deixava o posto de prefeito sem terminar a tão ensejada remodelação da rua J. J. Seabra. Tal tarefa ficaria sob a responsabilidade do prefeito posterior.    

Como qualquer espaço urbano, a Avenida do Cinqüentenário é passível de mudanças, transformações que acontecia permanentemente*. Contudo, as grandes alterações sempre marcam a memória dos moradores mais antigos. [16] Durante as décadas de 40 e 50, o local foi passando por um processo gradual de alinhamento e retificação da via, que culminaria com a metamorfose de rua à avenida daquele lugar. Nesse momento, os relatos de comerciantes antigos que presenciaram essas ações servem como memória. O senhor Walmir descreve um pouco seu sentimento diante das reforma enfrentadas no local.

 

Ela ficou melhor, a rua tornou-se mais bonita. Então deu um movimento maior de pedestres, de carros que antes não podia passar. A rua era muito estreita passa carro, etc. Então, gente andando e passando é muito bom pro comércio. [17]

 

 

Tais obras modernizaram a rua J. J. Seabra, que passou a dispor de toda uma infra-estrutura bem adequada para o desenvolvimento do comércio florescente da cidade, tais como a troca do calçamento de pedras toscas e pontiagudas, para calçamento de paralelepípedos; e o melhoramento do sistema de rede de água e de esgotos. Ainda sobre os efeitos causados por essas transformações ocorridas na rua, o senhor Wehbe Neme coloca em sua entrevista:

 

Primeiro: não prejudicou em termos comerciais. Melhorou, porque passou de ser uma rua J.J. Seabra, pra ser uma Avenida do Cinqüentenário. Que naturalmente, com a reforma do prédio, foi feito reforma em vitrine, reforma em balcões, reforma em prateleira. Quer dizer: deu um visual melhor, mais bonito, mais claro. Teve o prejuízo material de um lado, que eu não sei se a prefeitura indenizou, mas em compensação virou um “point”: a Avenida do Cinqüentenário. Onde se comia acarajé todas às 5 horas da tarde.  (Entrevista com Wehbe Ibrahim Neme)

 

Entretanto, apesar da boa aceitação demonstrada pelo senhor Wehbe Neme, as alterações ocorridas na Avenida do Cinqüentenário nem sempre agradaram a “gregos e troianos”. Durante os anos de 1958 e 1960, Itabuna se preparava para comemorar os seus 50 anos, e um dos símbolos dessa festa seria a construção de um via que cortasse de leste a oeste o centro da cidade. Tratava-se justamente do alargamento do nosso objeto de estudo, a Avenida do Cinqüentenário.

Para que essa obra pudesse se transformar em realidade, era preciso que algumas casas e imóveis comerciais fossem desapropriados e demolidos. Diferentemente do que aconteceu em cidades metropolitanas, como o Rio de Janeiro, onde os efeitos de reformas no centro urbano recaíram sobre as pessoas pobres; a população que sofreu as conseqüências dessas alterações urbanas pertencia à classe média alta, que tinham uma visão ambígua daqueles acontecimentos: uns olhavam como a oportunidade de modernizar o símbolo da cidade e valorizar os seus imóveis; outros já encaravam como a possibilidade de perder um bem particular com as desapropriações.

Foi o embate entre moradores da antiga rua J. J. Seabra e a Prefeitura Municipal sobre o alargamento da via que levou a acontecer um dos fatos mais memoráveis na transformação da rua para Avenida do Cinqüentenário. A briga entre o prefeito Alcântara e Perito. Tal acontecimento ficou conservado na mente de habitantes e de comerciantes da avenida, como é o caso de Émerson Nougueira, que fala sobre o assunto.

 

“Eu estava próximo, estava no casamento do Dr. Fontes. Depois que acabou o casamento, eu saí. Quando eu chego ali, está aquela confusão. Eu disse: - O que foi isso aí? Foi Perito mais Alcântara que saiu no murro. “ – E cadê eles?“ Disseram-me: “ – Estão  no hospital.” Nisso Dr. Fontes falou: “- O que mais isso aqui já foi decidido!” Já tinha sido desapropriado, então Perito não queria que fosse. Meteram então aquela máquina nela, o trator. Já estava quase no fim.” (entrevista com o senhor Émerson Nogueira)

 

Além de confusões e conflitos, é possível enxergar na transformação que a Avenida do Cinqüentenário sofreu a tentativa de produzir uma imagem moderna [18] da cidade de Itabuna. Nesse sentido, era necessário apagar aquela rua estreita e mal acabada do cenário urbano de um dos principais centros da região cacaueira, e em cima desta, construir verdadeiros símbolos de progresso, que teriam como forma de expressão prédios elegantes e uma via que cortaria o centro itabunense.

A conseqüência desse processo de modernização da Avenida do Cinqüentenário foi a destruição de parte dos imóveis que remetiam a Itabuna de década anteriores, como por exemplo, os casarões que havia neste local. Os documentos de época apresentam características que revelam a mentalidade dos itabunenses de tornar a cidade desenvolvida, apoiando homens que se dedicavam a construção de edifícios modernos.

 

“Numa demonstração de amor à terra de visão e de dinamismo, a patrimonial Arthur Nilo Sant´anna iniciou os trabalhos de construção de um moderno edifício na rua J. J. Seabra, colaborando assim para o maior desenvolvimento de Itabuna.” [19]

  

Outro evento que marcou a memória cinqüentenária do local foi a catástrofe natural que ocorreu na enchente de 1967, o rio Cachoeira tomou as principais vias do centro da cidade. Há um estudo muito interessante produzido pela historiadora Alyne Martins, que encara tal acontecimento como o encontro de dois dos signos mais importantes de Itabuna: A Avenida do Cinqüentenário e o Rio Cachoeira. [20]

Sobre tal acontecimento, o comerciante Wehbe Ibrahim Neme ressalta que apesar da grande violência com que as águas tomaram a avenida, o prejuízo acabou sendo descontado com a venda dos produtos molhados e sujos pela enchente de 1967.

 

Essa chuva que veio, veio lá do oeste, que derrubou barragem, aí foi somando com o leito do rio e deu esse desastre todo. Então nós começamos a vender aquela parte melada de lama como retalho. E depois saia tanto que nós achamos de pegar o resto e molhar pra poder dizer que tinha sido problema da enchente pra vender, e saia como uma beleza.Buliu com a cidade toda.” (entrevista com o senhor Wehbe Neme)

 

Diante de todos esses acontecimentos, o leitor realmente há de reconhecer que a Avenida do Cinqüentenário, ao longo de sua história se transformou num verdadeiro lugar de memória. Até hoje, o local ainda continua construindo sua memória, haja vista que nos últimos tempos, para marcar na memória dos habitantes itabunenses a importância do romancista Jorge Amado, queriam denominá-la com o nome do escritor. A proposta de alteração do nome não vingou, mas identidade do povo de Itabuna certamente não estará desvinculada da memória da cidade de Itabuna. 

 


[1] Graduando do Curso de História e Bolsista do CNPq/PIBIC do Projeto de Pesquisa Memória e lugar: fragmentos do passado – Rua da Lama/Av do Cinqüentenário, 1908-1970

[2] Professora Doutora do DFCH/UESC e Coordenadora do Projeto de Pesquisa Memória e lugar: fragmentos do passado – Rua da Lama/Av do Cinqüentenário, 1908-1970

[3] Ver Artigo de Mário Chagas. “Estudando o processo de construção e perpetuação da “memória política, social e histórica do trabalhismo”, João Trajano Sé observa que os meios de transmissão da memória não passam apenas pela oralidade, mas também por histórias, relatos e documentos. (...) aplica-se a livros, revistas, jornais, desenhos, filmes, discos, selos, medalhas, fotografias, esculturais, pinturas...” . CHAGAS, Mário. Memória política e política de memória. In: Memória e Patrimônio: ensaios contemporâneos. / Regina Abreu e Mário Chagas (orgs.). – Rio de Janeiro: DP&A, 2003.    

[4] Ver artigo de Memória e Ação Cultural, publicado pela Revista do Arquivo Municipal.  “Outros são apaixonados pelos signos urbanos antigos, nos quais lêem a cidade “verdadeira”, e buscam respaldo nas lembranças de quem os viveu originalmente e lhes deu sentido. (1991, p.10)  

[5] Ver trabalhos da autora Raquel Rolnik – O que é a cidade? Que defende que a cidade “é uma espécie de escrita que se lê.” (1994, p.199)

[6] Projeto de Remodelação e Saneamento da Cidade de Itabuna, 1926.

[7] Jornal A Época, 4 de março de 1925

[8] Jornal A Época, 17 de novembro de 1928

[9] Jornal O Intransigente, 23 de Novembro de 1923, nº 23. “A mão de Deus evitou terrível desastre.”

[10] Jornal A Época, 12 de Junho de 1927

[11] Jornal O Intransigente, 9 de fevereiro de 1949

[12] Para maiores detalhes sobre a influência da cidade de Itabuna na região Cacaueira, ver a obra Antonio Guerreiro de Freitas. FREITAS, Antonio G. Caminhos ao encontro do mundo: a capitania, os frutos de ouro e a princesa do sul, Ilhéus (1530-1940). / Antonio Guerreiro Freitas. Maria Hilda Baqueiro Paraíso. – Ilhéus: Editus, 2001. (p.149)

[13] Ao observar o espaço urbano como reprodução das ações dos homens ao longo do tempo, de acordo com Ana Fani A. Carlos, é possível perceber nesse momento a influência da elite cacaueira no processo de modernização da rua J. J. Seabra entre os anos de 1940 e 1959.

 

[14] Jornal A voz de Itabuna, 5 de fevereiro de 1954, nº 256.

[15] Jornal O Diário de Itabuna, 18 de junho de 1958

* Existe vário autores  no campo da geografia, da arquitetura e da sociologia, entre eles autoras já citadas aqui que discutem essa versatilidade das cidades, como Ana Fani Carlos e Ralquel Rolnik. 

[16] BOSI, Ecléa. Lembrança de Velhos. São Paulo. Companhia das Letras, 1998.

[17] Entrevista com o senhor Walmir

[18] Ver SEVCENKO, Nicolau. O Orfeu Extático na Metrópole. – São Paulo: Companhia das Letras, 1998., que trata da forma como a capital paulista sofreu um processo de modernização que visava apagar elementos que lembrassem uma São Paulo antiga. 

[19] Jornal Diário de Itabuna, 5 de novembro de 1959, ANO III, nº 559.

[20] GOMES, Alyne M. Um encontro de dois símbolos: A avenida do Cinquentenário e o Rio Cachoeira. – Ilhéus: UESC, 2002.