Acesse o webmail

Entrevistas

UESCOOP – As vantagens da cooperativa de crédito

 

Entrevista com o professor Fernando Rios Nascimento , em 14/05/2008.

Especialista em Cooperativismo, o professor Fernando Rios Nascimento, mestre em Economia Aplicada, é um dos principais entusiastas do projeto de criação da Uescoop, cooperativa de crédito de servidores e prestadores de serviço da UESC – Universidade Estadual de Santa Cruz, já aprovada pelo Banco Central. Vinculado ao DCEC (Departamento de Ciências Econômicas), Rios é professor de Economia Internacional e coordenador do curso de pós-graduação, lato sensu, de Economia das Sociedades Cooperativas, que já está em sua terceira turma.

 













Uesc.br
- Por que uma cooperativa de crédito na UESC, quando já temos três bancos operando no Campus?
Fernando Rios - Temos três bancos, mas nenhuma cooperativa. E a alternativa para resolver as questões de endividamento, capacidade de pagamento reduzida e baixa liquidez, produto da expropriação da quase-renda, não é um quarto, um quinto ou um sexto banco, que continuarão cobrando taxas de juros estratosféricas, apesar da inexistência de risco, já que os empréstimos são feitos em consignação.
Como se sabe, os bancos usam o nosso dinheiro, na forma de depósitos, poupança, crédito em conta, cobrando taxas reais de juros que chegam a 60% ao ano, algo que não ocorre em sociedades civilizadas, onde as taxas reais se limitam a 2 ou 3% ao ano. Com custos tão elevados, ocorre brutal transferência de renda de consumidores potenciais para o sistema financeiro, afetando negativamente o bem-estar dos servidores e de suas famílias, principalmente quando se trata de estratos de menores salários.
O projeto UESCOOP já foi aprovado pelo Banco Central, depois de haver sido atendidos os requisitos estabelecidos pelo Conselho Monetário Nacional, o que demonstra a viabilidade do empreendimento.

Uesc.br - Houve um estudo de viabilidade?
FR - O estudo de viabilidade técnica, sempre utilizado nas empresas mercantis, que compram para vender, objetivando uma margem que é chamada de lucro, não se aplica de forma convencional às cooperativas. Essas serão sempre viáveis quando existir vontade dos seus donos – os associados – para prover os recursos necessários no presente, visando um benefício no futuro próximo.
A lógica da viabilidade em cooperativas existe a partir da escolha do campo operacional adequado. Ou seja, quando o “mercado” de crédito cobra elevados custos pelos serviços prestados, e esses serviços podem ser oferecidos pela cooperativa por preços substancialmente menores. Nas cooperativas de crédito, que podem cobrar quatro vezes menos do que os bancos cobram, funcionando em sua plenitude, essa é uma questão crucial. Além do mais, como pessoas jurídicas, as cooperativas podem ter acesso a linhas de crédito privilegiadas, repassando-as aos associados, o que seria inviável de ser obtido pelas pessoas físicas, individualmente.

Uesc.br - Como será a estrutura administrativa e operacional da cooperativa?
FR - A Cooperativa deverá ter um conselho de administração, integrado pelos grupos de associados, de forma paritária. Por exemplo: dois membros dos docentes, dois dos técnico-administrativos, dois dos prestadores de serviço. Esse equilíbrio estrutural é necessário, para que não se permita o viés operacional, prevalecendo “interesses” de uma classe aos de outra, o que seria uma prática anti-cooperativa.
Além do conselho de administração, existe um conselho fiscal e um conselho consultivo a ser constituído por um representante de cada setor da UESC, que funcionará como comitê assessor ao conselho de administração. Contará ainda com uma estrutura gerencial, com função executiva, e um comitê educativo, responsável pelo processo de educação cooperativa e financeira do quadro social.

Uesc.br - Como a comunidade acadêmica recebeu a idéia?
FR - Na comunidade acadêmica, como fora dela, existem os que acreditam e fazem acontecer; os que acreditam e esperam acontecer; e até os que não acreditam e fazem tudo para que não aconteça. Por isso, é longo o processo de formação cultural no particular, para que todos participem de forma pró-ativa. Não podemos, portanto, ter a ilusão de que as cooperativas nascem prontas, mas é certo que no processo de construção todos são necessários, se o caminho escolhido visar o crescimento pessoal, material e intelectual. O importante é vislumbrar as potencialidades da cooperativa como mecanismo emancipacionista de um grupo, para elevar o seu poder de barganha e reduzir as desigualdades que são inerentes às estruturas concentradas do “mercado” de crédito. No dia que isso ficar claro, e também ficar evidente que só a cooperação e a ação solidária serão capazes de equacionar o problema crucial da dependência, não há dúvida que o nível de adesão se cristalizará cada vez mais e de forma rápida.

Uesc.br - Qual será o capital inicial da Uescoop?
FR - Para cooperativas do tipo UESCOOP, o capital mínimo exigido pelo Banco Central é de R$4.600,00. Mas nossa cooperativa já conta com intenções de capitalização inicial no valor de R$ 8.100,00. Após essa capitalização inicial, os associados deverão autorizar a retenção de um percentual mínimo dos seus salários para que esse processo se torne permanente. Como se trata de uma cooperativa de crédito, a possibilidade de concessão de empréstimos ficará condicionada ao aporte de capital dos sócios. Assim, quanto mais se apresse a capitalização, mais rapidamente a cooperativa terá condições de atender às demandas do quadro social nos volumes desejados, sem embargo da busca de fontes alternativas que poderão ser repassadas, como já se disse.
Não há milagre. Não há mágica. A dimensão operacional da cooperativa é uma resposta ao posicionamento do associado como provedor dos recursos e da sua consciência como dono e não apenas usuário. O aporte de capital, além de ser o motor que promoverá o crescimento da cooperativa, significará importante esforço de poupança, já que o capital deverá ser remunerado até o limite de 12% ao ano, como determina a Lei Cooperativista. Uns poupam, outros gastam, mas todos ganham com essa iniciativa auto-gestionária.
As cooperativas que hoje apresentam ativos financeiros de milhões de reais começaram como a UESCOOP. Por isso, não se pode esquecer o notável exemplo dado pelos 28 tecelões de Rochdale, na Inglaterra, que, excluídos pela Revolução Industrial, de fato constituíram a primeira experiência real de cooperativas, amealhando durante 12 meses parcos recursos para adquirir o primeiro armazém, conscientes de que só assim poderiam enfrentar uma realidade que se apresentava extremamente desigual.

Uesc.br - Além de operações de crédito, quais outros serviços serão oferecidos?
FR - Todos os serviços que a estrutura bancária convencional oferece, com uma diferença: o custo. Se hoje grande parte dos bancos já paga os salários dos seus empregados com recursos oriundos das incontáveis sobretaxas debitadas nas contas dos correntistas, muitas delas “invisíveis”, essas taxas, na cooperativa, deverão ser embutidas numa taxa única de custeio, que não se confundem com os juros praticados pelos bancos, pois as cooperativas não podem cobrar juros.

Uesc.br - A presença da Cooperativa irá restringir os bancos que já operam no campus?
FR - As cooperativas, de forma geral, e as de crédito, no particular, não objetivam eliminar outros agentes que operam no mercado, mas introduzir um componente de eficiência reduzindo as suas disfunções. Pagar um preço menor pelo dinheiro utilizado, afetando positivamente o comportamento da estrutura bancária, é bom para todos, e aí até os que não são associados se beneficiarão com a presença da cooperativa. Se as operações dos bancos forem reduzidas é porque não foram capazes de se adaptar à nova realidade de competição introduzida pela cooperativa. Algo que só diz respeito a esses agentes, e não aos associados e à Sociedade.
Uesc.br - Há cooperativa semelhante em outras universidades estaduais baianas?
FR - Sim. Existe a Crediuesb, em Vitória da Conquista, e temos conhecimento de intenções em outras universidades. Mas, é importante registrar que essas iniciativas devem evitar a influência político-partidária e de classe, algumas das quais não conseguem se libertar do viés corporativo, embora seja da maior relevância o seu apoio na constituição e consolidação da cooperativa. Esse apoio é absolutamente necessário, desde que todos envolvidos estejam plenamente conscientes do papel que devem exercer, pois a cooperativa, como empreendimento econômico dos associados, não pode ser confundida com partidos políticos nem com sindicatos, mas defender o interesse do conjunto de associados, qualquer que seja sua militância política e classista.

Uesc.br - O estudante pode integrar a clientela da cooperativa?
FR - Em princípio, não, porque existem restrições normativas nesse sentido. Mas, como a norma expressa uma práxis, se houver interesse desse grupo, estudaremos com o Banco Central as alternativas de romper essa limitação, pois acreditamos que os seus agentes sejam receptivos às possibilidades que emprestem maior densidade econômica à iniciativa.

Uesc.br - Quando a cooperativa entrará em funcionamento?
FR - Após a manifestação favorável do Banco Central ao projeto, o que ocorreu em março último, os interessados têm 90 dias para a constituição da cooperativa. Após essa providência, que inclui a aprovação do ato societário e depósito do capital inicial em conta a ser indicada pelo BACEN, será concedida autorização de funcionamento, com homologação da diretoria eleita, ocasião em que será dado novo prazo, de 90 dias, para início das atividades.

Uesc.br - Qual a relação da cooperativa com o Curso de Especialização em Cooperativismo?
FR - Um dos problemas sérios do cooperativismo brasileiro é a carência de recursos humanos com formação adequada para dirigir, gerenciar e assessorar as cooperativas. O Curso de Especialização em Economia das Sociedades Cooperativas pretende formar competências no particular, já que se espera do especialista em cooperativismo, além de conhecimento sobre a operacionalidade, boa formação doutrinária e teórica para entender a dinâmica de negócios diferenciados dessas sociedades em relação às empresas mercantis. Um exemplo claro dessa ausência de percepção é o fato de muitos continuarem confundindo os juros dos bancos, que é o rendimento do capital, com as taxas de custeio das cooperativas, cobradas apenas para cobertura dos custos operacionais, o que tem suscitado comparações completamente despropositadas, gerando dúvida e confusão entre os diversos atores, dentro e fora das cooperativas, além de inadequação operacional que poderá ter sérias conseqüências de natureza fiscal.
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ
Campus Soane Nazaré de Andrade, Rodovia Jorge Amado, km 16, Bairro Salobrinho.
CEP 45662-900. Ilhéus-Bahia
Núcleo Web